domingo, 3 de maio de 2015

Marcas do Passado

«Não quero ser assim... eu não quero ser assim... mas haverá outra forma de eu não ser aquilo que sou e continuar a ser eu mesma?
Todos os dias adormeço com esta pergunta a atormentar-me e acordo exatamente da mesma forma.
As lágrimas de pouco ou até mesmo nada servem. Por vezes sufoco, não consigo falar, a vontade de chorar invade-me mas a minha fraqueza não me permite faze-lo, porém quando chega a noite, a covardia assalta-me, o medo aterroriza-me e, entre o sofrimento e a almofada, soltam-se as lágrimas pela vergonha que sinto.
Dói não saber quem sou. Dói não saber onde estou. Dói. Mas mais que tudo isto, dói sermos consumidos por algo que nos vai matando lentamente... silenciosamente... secretamente.
Dói porque é uma dor que não é partilhada, muito pelo contrário. É uma dor que é escondida, por vergonha, por medo, mas sobretudo por incompreensão.
A dor dói e todos sabemos disso.
Não é preciso saber-se o motivo que nos causa dor e todos os motivos escondidos atrás dela. É preciso um abraço sincero e caloroso que nos envolva e nos faça, por uns instantes, acreditar que está tudo bem ou que, pelo menos, tudo irá melhorar. É preciso um beijo na testa como que a dizer que não estamos sozinhos. É preciso uma mão dada num gesto de quem pretende dizer que estará «ali» para o que der e vier. É preciso alguém que esteja disposto a ouvir, secar as nossas lágrimas, partilhar da nossa dor. É preciso alguém que não nos deixe á primeira dificuldade que encontra. É preciso alguém que nos ame e nos faça sentir amados... sentir amados... O que será isso? Tantos abraços, tantos beijos... tanto... tanto... e tanto em vão... como se fossem ocos... no fundo sem qualquer valor, sem qualquer verdade... sem qualquer sentimento. O vazio e a indiferença também doem.
A verdade é que o tempo não cura tudo. Na verdade com o tempo nem sempre o sofrimento vai sendo menor. Na verdade o tempo não vale nada sozinho.
O tempo não cura as feridas, o tempo infecta-as e fá-las sangrar mais uma e outra vez. Ás vezes é preciso alguém que esteja disposto a tratar dessa ferida. Ás vezes é preciso alguém que aceite todas as nossas cicatrizes. Porque quando se aceita alguém, aceita-se também as suas marcas, aceita-se o seu passado...»