segunda-feira, 30 de maio de 2016

O Medo

«Todos os dias fico presa. Fico presa a mim mesma ao mesmo tempo que fico presa aos outros.
Tento libertar-me. Romper as correntes que me prendem. As correntes que não me deixam gritar e ser eu mesma. As correntes que me prendem a todos os meus medos. Todos os medos que me impedem de ser feliz além de qualquer limite estabelecido por mim ou por qualquer outro alguém.
Na verdade, o medo é das poucas coisas que me mantém vida, ou melhor dizendo, é a adrenalina de enfrentar os meus medos. 
Horas passadas em frente a um espelho, noites passadas em vão a pensar nas melhores palavras, choros abafados pelas almofadas, palavras caladas antes mesmo de serem ditas, ser o que não... medos... tudo por medos que não me deixaram viver enquanto estou viva.
Mas cansei-me. Cansei-me de estar morta todos os dias. Cansei-me de tentar viver a morte que todos idealizavam para mim. Decidi começar a viver. Decidi ser eu. E não há nada melhor do que isto mesmo.
Testar limites, rir em momentos menos apropriados, partir pratos em momentos de cólera, já contei piadas sem graça e ri-me bastante delas. Hoje ando sozinha, sem medo. Hoje sou eu, sem medo. Sem medo de ser quem sou e como sou. Porque o medo só nos leva a uma morte precoce enquanto ainda estamos vivos. Porque o medo não nos deixa viver. Porque o medo nos inibe. Porque o medo é um obstáculo. Porque o medo nos põe limites, limites à nossa felicidade, à nossa liberdade.
Sem medos. Não quero uma vida certa, fazer escolhas certas, não quero nada certo. Não quero uma vida resumida a uma simples fórmula matemática. Porque a vida é mais intensa, mais completa, única e muito mais complexa do que qualquer uma sofisticada teoria, seja essa teoria o que for. 
Eu, sou isso mesmo, apenas eu. E eu, hoje sei o que quero ser, onde quero estar e com quem quero estar. Quero ser feliz, quero estar onde seja feliz, quero estar com quem me faz feliz.
A morte é um fim inevitável. Nascemos e morremos. Todos conhecemos o nosso fim, a morte. Então se todos acabamos da mesma forma, porquê tantos medos? Porquê medo de viver?...»

quinta-feira, 26 de maio de 2016

À Noite

«As lágrimas escorrem,
É impossível, mais, aguentar.
E o sangue escorre,
Como se a dor fosse acabar.

Ninguém repara,
Nas noites passadas a chorar,
Nas lágrimas que não conseguem parar,
No sofrimento que não para
E todos os dias vem para derrubar.

Ninguém repara no sofrimento, 
No sufoco das palavras,
Na impossibilidade do esquecimento,
No uivar da dor existente há muito atrás.

Procuro um carinho reconfortante,
Que para outro mundo me transporte,
Mesmo sendo uma ilusão por um breve instante,
Que me leve para um sitio bem distante,
Mas que me conforte.

Deixa-me ir,
À noite, deixa-me perder no silencio da escuridão,
Tudo esquecer,
Daqui fugir,
Abandonar a solidão,
A que vivi, a que vivo, a que vou viver,
Deixa-me ir,
E vai-te embora desilusão.»


terça-feira, 22 de dezembro de 2015

Procura-me vem-me buscar

"Procura-me e vem-me buscar,
Não me deixes sozinha,
Vem e vem-me abraçar,
Não sei o que tinha,
Nem tenho medo de ter de voltar a reconquistar.
Procura-me e vem-me buscar,
Não me deixes por aí perdida,
Algures por qualquer lugar,
Sou tudo o que se vê nos olhos de uma menina,
Algures, em qualquer lugar.
Procura-me e vem-me buscar,
Não me deixes cair,
Como fizeste às lágrimas com tanto pesar,
Como fizeste ao tempo que deixas-te partir,
E não tentas-te os cacos concertar.
Procura-me e vem-me buscar,
Para ao teu lado,
Para os teus braços,
Contigo para qualquer lugar."


quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

Café Quente

«Sento-me. Olho pela janela e a única coisa que consigo ver é o vidro embaciado. O frio do inverno arrepia-me e gela a ponta do nariz. E eu, abrigo-me no chávena de café bem quente.
Entre cada gole de café, penso sobre o quão triste é o inverno. As árvores despidas ficam sujeitas ao frio e à chuva, as pessoas trancam-se em casa e as poucas que se atrevem a sair, correm apressadamente entre cada pingo que cai, e o tempo cinzento traz ao cimo a má disposição das pessoas. No entanto eu gosto do inverno, do frio, da chuva... gosto de um bom livro e boas palavras na companhia de um café, uma manta e da lanha em chamas que solta leves ruídos. 
Gosto da frieza do inverno, por vezes vejo-me nele. Fria.
Mas é em alturas como estas em que me embrulho em mil e um cobertores e me enrolo neles. Até a pessoa mais fria precisa de ser aquecida.
Procuro o conforto entre entre a caneta de aparo velha presa à minha mão e a folha de papel amarrotada sobre os joelhos e rabisco... rabisco... rabisco... são só rabiscos.
São só rabiscos porque estou a procurar, aquilo que quero, no sitio errado. O que procuro?! Mil e uma coisas que nem eu mesma sei. Talvez o conforto de um abraço, a doçura de um beijo, o calor de um carinho, a intensidade de um sorriso ou uma voz apaziguadora. Não sei o que procuro nem onde procurar.
O inverno traz consigo um enorme tempestade, vento, chuva, trovões, relâmpagos... como eu percebo a sua revolta... A revolta de gritar e não conseguir, a revolta de querer chorar e não poder, a revolta de querer mudar de caminho e ter coragem.
Mas as tempestades, embora deixem vestígios de destruição por qualquer lugar que tenha passado, acabam sempre por passar.
O café está doce porque tem açúcar e só está quente porque foi aquecido, porém no seu estado natural é e sempre será amargo e frio, a menos que alguém faça algo o seu trave será sempre o mesmo bem como a sua temperatura...»

segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

Despeço-me de ti

«Fecho os olhos. Queria voltar a abri-los, mas quando os tenho fechados a realidade é tão diferente. 
É estranho olhar para trás e perceber que tanta coisa mudou. E é duro ter de o admitir! 
Queria ter tanta gente comigo, e no meio de tanta só tu importavas. E isso é duro. É duro porque hoje olho para ti e não te conheço. Não sei quem tu és. Não sei o que és para mim e isso só é duro. É duro porque não sei o que sou para ti, ou se algum dia fui algo para ti.
Não sei quantas cartas te escrevi e perdi a conta ás inúmeras despedidas. Talvez esta seja para sempre tal como todas as outras eram. É para sempre até um dia nos encontrar-mos e me ter de despedir mais uma vez.
Estou cansada. Custa-me admitir, mas estou.
Cansei-me dos pedidos de desculpa que fiz sem ter culpa, cansei-me de chorar por erros que não foram cometidos por mim, cansei-me de lutar por algo que nunca existiu.
Talvez esta despedida seja definitiva porque me cansei definitivamente e fiz a promessa de não de não voltar pedir desculpa, a promessa de não voltar chorar, a promessa de não deixar que o passado regresse.
Sei que estou a fazer o que está correcto. Sei que estou a fazer o melhor para mim. Sei que estou a fazer o que já devia ter feito há muito tempo. Sei que tu não te irás lembrar do meu nome. Sei que será algo demasiado difícil para mim mas algo extremamente fácil para ti. Mas isso não importa e cada um seguirá com o seu caminho.
Mas eu ainda não fui embora. Eu ainda estou aqui, presa a uma folha e amarrada ás palavras de despedida como desculpa para ficar mais um pouco contigo. Porque no fundo ainda tenho a esperança que as coisas mudem. Tenho esperança que me digas para ficar.Tenho esperança que digas que tens saudades minhas ou que precisas de mim. Eu sei. A esperança é venenosa e se não a mato serei morta por ela. Mas posso garantir que assim que acabar de escrever a ultima palavra desta carta de despedida, não saberás quem eu sou, nem eu saberei quem tu és.
Procuro, agora, a melhor forma de te dizer "adeus" sem que pelo meio haja um "até um dia". Talvez o melhor seja não dizer mais nada.
Chegou a hora de seguir o meu caminho... sem ti, uma memória escrita na minha vida...»

domingo, 18 de outubro de 2015

Em Camas Separadas

«Deixa-me ir ter contigo. Não sei por onde andei todo este tempo. Como é possível só agora, tanto tempo depois, surgir tanto sentimento? Não sei como lidar com todos eles. Talvez esteja a haver uma revolução ou uma guerra dentro de mim, que nem eu mesma consigo controlar.
Escrevo e risco e não passa mais disto. Como é suposto lidar com algo que não conheço?
Será que me conheço e sei por onde vou? A noite passada adormeci a pensar em ti e hoje... acordei ao teu lado, de mãos dadas e com um beijo de bom dia. Não sei como vim aqui parar.
Acho que perdi o controlo de mim mesma. Deixei de mandar em mim e todo o que sinto, agora, domina-me. 
Talvez me tenhas feito perder todos os medos. A meio da noite acordo levanto-me e mesmo com roupa de dormir saio à rua,  respiro o ar frio da madrugada junto com o aroma da chuva enquanto o frio percorre todo o meu corpo, espinha acima, e arrepio-me. Tudo aquilo está a acontecer. É real. Eu estou ali. E sem medos avanço. Não tenho medo do que deixo para trás nem do que possa vir a encontrar à frente, é contigo que quero estar.
Não sei que horas são... talvez seja apenas meia noite ou uma da manhã ou três ou quatro... não sei... nem isso importa.
Penso num misto de coisas, sem conseguir pensar em algo concreto, sem conseguir pensar racionalmente.
Perco o pouco jeito que tenho com as palavras, perco o pouco jeito que tenho para falar. Mas isso agora de nada vale, nenhuma palavra seria capaz de descrever o sentimento num todo.
Num gesto irracional, não fico parada, ando pelas ruas geladas descalça. Nada me faz parar. 
Vou ter contigo. Dispo a roupa encharcada e deito-me ao teu lado. Ficamos abraçados e trocamos alguns beijos. Sinto a tua pele encostada à minha e todo o meu corpo a arrepiar-se como reacção aos teus beijos no meu pescoço e eu não resisto, solto o leve gemido, as minhas mãos descontroladas marcam um pouco as tuas costas e tu puxas-me mais ainda para junto de ti.
Apenas a chuva acompanhava a noite solitária, agora, também os nossos corpos a acompanham.
O dia nasce e nós acordamos tão juntos e tão unidos, mais do que alguma vez tivemos, em camas tão separadas mas com corações tão unidos...»

domingo, 23 de agosto de 2015

Marinheiro Naufragado

«Tentei o rumo mudar,
Mas o barco não chegou a sair do cais,
De nada iria adiantar,
Não sei por onde vou,
Não sei por onde vais.
E tudo que se passou?
E tudo o que ficou por se passar?
Onde ficou o marinheiro que naufragou
Que acabou por não regressar?
Onde está o fogo que se ateou
Que ao mar foi lançado?
O que é que não regressou?
O que é que ficou no passado?
Eu não quero ser o que já não sou,
Hoje sou um corpo nu e desamparado.
Agarra-me esta noite,
No teu jeito,
Mesmo que num jeito desajeitado.
Percorre o meu peito,
Meio despido,
Meio excitado,
Meio vendido
A um marinheiro naufragado.
Pobre marinheiro perdido,
Cheio de marcas do seu passado,

Que á vida não sabe regressar,
Que se alimenta do mar salgado,

Que a sua morte não soube perdoar.
Que o seu passado não perdoou.

Afinal quem ama a dor de viver,
Quando a morte já os assaltou?

Só tu procuras o prazer,
Para esquecer a morte que desde sempre te assombrou.

Eu faço-te mais uma vez viver,
E vais embora pelo caminho

Que um raio de sol iluminou,
Sem saber o rumo ou o destino,
Apenas com a certeza que hoje foi o dia de ontem que regressou.»